quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Atrás de toda acumulação só há duas coisas: medo e escassez.

Photo by Savs on Unsplash
Passei boa parte da terça-feira de carnaval arrumando uma prateleira ao lado do meu cantinho de trabalho. Era a última prateleira que faltava dar uma geral (dessa estante, tem mais duas na fila). A arrumação era fundamental: cada vez que procurava alguma coisa por ali — ou simplesmente olhava em sua direção — algo sempre caia na minha cabeça… Ou no computador… Ou mais temível e provocador de palavrões, no pé. Mais de uma vez eu tive que segurar uma reação em cadeia de livros, cadernos e grampeadores despencando. Era como trabalhar ao lado de uma área com potencial risco de avalanche.

Rearrumar áreas entulhadas que você não visita há tempos sempre nos traz doces recordações. Reencontrei cadernos antigos que ainda esperavam atribuição de funções e uso. Reencontrei livros que eu estava tão animada pra ler… Anos atrás, mas ainda assim interessantes. E é claro, encontrei livros que só alguns momentos fora de si explicam (como um “Contabilidade ao alcance de todos”, que deve ter me pego em um momento de inspiração para controlar, com propriedade, do operacional da antiga sociedade).

Fiz as contas. Só nessa prateleira, depois de organizada, existem 108 livros, dos quais eu já li aproximadamente 30. Mesmo com a minha meta de leitura atual para 2018 sendo de 72 livros, nem em um ano eu conseguiria dar conta só dessa prateleira. Isso significa que você, assim como eu, deve estar se perguntando: pra que tanto?

Não “me traz alegria”.

Ter tanto de algo que você gosta — no meu caso, livros; cadernos, sketchbooks e papelaria em geral — deveria ser algo animador… Saber que independente do que aconteça, se eu não puder comprar mais nenhum livro a partir de hoje, ainda teria anos de leitura estimulante pela frente antes que isso me afetasse deveria ser motivo suficiente para estar contente com a visão de tantos livros e estar satisfeita com eles. Mas aí está o pulo do gato: por que acumular livros pensando “caso algo aconteça e eu não possa comprar mais nenhum livro?”.

Pensando bem, deixar que isso oriente  suas ações é uma tristeza. Mesmo que eu estivesse lendo como uma máquina de leitura, 2 livros por semana — ou seja, 10 livros por mês — existe algo chamado “biblioteca pública” (não recebem o apoio que merecem, é claro, mas ainda bravamente resistem). Existe outra coisa chamada SEBO, onde por 50,00 reais é possível sair com 10 bons livros, fácil. Existe algo chamado “Kindle Unlimited”, onde por R$ 19,90 mensais você aluga até 10 bons livros por vez (se ler mais, é só devolver e baixar mais)… Então, sérião, por que eu estou entulhando a casa para me precaver de dias tristes e chuvosos onde eu não possa nem caminhar até a biblioteca ou gastar R$ 20,00 por mês em livros? Se um dia eu tiver em um perrengue desses será que é de livros mesmo o que eu mais sentirei falta? Será que faz investir em preocupação desse jeito?
“Tenho notado que a preocupação é como rezar para o que você não quer que aconteça.”
Robert Downey, Jr.

Nem só de livros viverá a mulher…

Embora isso seja um tema que eu trate mais no meu blog sobre desenho, o Sketchblock, é algo que se encaixa aqui também — a mesma situação se aplica a sketchbooks e cadernos em geral. Eu utilizo um caderno a cada 04 meses na minha combinação de Commonplace Book e Bullet Journal. Ou seja, eu gasto uma média de 03 cadernos por ano nisso… Precisava de uma fila de 30 pra me sentir segura?

Recentemente eu fui na Miniso, uma concorrente da Daiso que chegou ao Brasil. Fiquei apaixonada por alguns cadernos que eles tem por um preço muito, mas muito atrativo mesmo. Uma linda versão do modelo “Moleskine” pautado, com 120 folhas e capa acetinada em tons pastéis por R$ 18,00 — algo muito vantajoso já que o Moleskine original pode sair de R$ 60,00 a 120,00 (diferença entre importar e comprar por aqui) e uma versão semelhante da Pombo Lediberg pode custar R$ 49,00 (na Kalunga, por exemplo). Então eu comprei 2 para fazer diário… Embora ainda falte umas 40 folhas para o meu diário atual terminar. E eu já tivesse uma fila de mais 03 Moleskines para substituí-lo. Tinha necessidade? Claro que não… Mas podia acabar uma oferta vantajosa desse jeito — e isso ainda é o que me dá formigamentos de voltar lá e comprar mais duas cores… Afinal quanto tempo vai demorar pro pessoal descobrir que ele vale muito mais do que estão cobrando? E se acabar?

E se não for suficiente?

Nem precisa dizer que eu sou uma acumuladora. Não dessas que guarda jornais velhos e caixas de pizza vazias, mas das que estão sofrendo com compulsões por compras, justificadas  por noções de “só para garantir…”. Demorou para eu perceber que isso não é motivado pelo meu amor por papelaria ou livros. Isso é motivado por medo e escassez. Medo de não ter, medo de não ser suficiente, medo de que no futuro, quando eu realmente for precisar daquilo, não ter, ou não poder comprar. Eu poderia analisar ao infinito momentos na infância e adolescência onde estar na ponta do “não tenho e não posso” foram experiências fortes, nesses e em outros ítens, mas não é necessário — principalmente porque eu não sou mais criança, nem adolescente. Eu sou uma mulher adulta e capaz, que não deveria estar entulhando a casa de reservas “pro inverno” e sim investindo nas plantações. Faz sentido?

Mentalidade de Escassez.

A coisa mais interessante sobre acumulação é que você faz para se sentir seguro, mas não funciona assim. Saber que eu tenho materiais e sketchbooks, por exemplo, para desenhar por 10 anos sem ter que gastar um tostão não me dá a segurança de gastá-los. Pelo contrário. Algo dentro de você sempre diz: “E se forem 11 anos?”. A mentalidade de escassez acaba funcionando como um buraco negro onde tudo aquilo que você joga nunca é suficiente. Você está lá, investindo seu presente na expectativa de estar segura em um dia chuvoso — que pode nunca chegar — enquanto vive o presente tropeçando em coisas que não estão sendo utilizadas na sua potencialidade, acumulando pó, envelhecendo, sem valor para ninguém.

Por uma questão de lógica, faria muito mais sentido deixar de gastar R$ 30,00 em um livro hoje e investi-lo em algum lugar para que no futuro, havendo a necessidade e o momento de efetivamente ler você simplesmente comprasse o livro não é mesmo? Por que empatar agora um recurso que não será utilizado? Mas lógica não é o forte do acumulador — forte é a noção de que se você não comprar aquilo AGORA talvez nunca mais consiga, não naquele preço… E mais uma vez, como disse anteriormente em outro post, aquela “possibilidade” encerrada no ítem (aprender algo novo, ser uma nova pessoa… Alguém que põe em prática aquele determinado conhecimento) não ser realize.

Escassez versus Prosperidade.

No momento, para sair de uma mentalidade de escassez, seria suficiente ter apenas o estritamente necessário — e saber que, caso essa necessidade se expandisse, eu seria capaz de simplesmente ter à disposição os recursos necessários para resolver o assunto. Escassez, além de medo, é falta de fé — na generosidade do Universo (dentro da visão divina ou não que você decida adotar), na sua capacidade de conquista, na sua flexibilidade e adaptação. Estar preparado para um dia chuvoso pode realmente ser importante (planos de saúde, aposentadorias e investimentos vivem disso)… Mas não esquecer que é sol lá fora e que sua maior preocupação no momento deveria ser viver plenamente, também é.