quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A mulher que chora assistindo "Abstract"

Photo by Rodion Kutsaev on Unsplash

Disclaimer: desde 2014 -- ano em que minha filha nasceu -- "lágrimas" não são um termo alheio à minha pessoa. A filha veio "liberando a torneirinha interior" e possibilitando que eu chore até de um origami bem feito... Estabelecido esse fato, acho que o caso com "Abstract" da Netflix é um pouco diferente.

A série, lançada em 2017 pela Netflix, e com duas temporadas, fala sobre Design em geral, por meio da apresentação do trabalho de diversos profissionais em diversos campos: ilustração, cenografia, design gráfico, arquitetura etc. Logo que a série saiu, eu assisti o primeiro episódio sobre "ilustração" e parei -- acabou mais me dando uma pontadinha no coração daquelas "bem, esse cara é ilustrador pra New Yorker, está um pouco [MUITO] fora da minha liga. Qualquer coisa que ele possa dar de dica não se aplica muito a mim".

E ali havia parado minha experiência com a série. No entanto, recentemente, depois de me ver chegando aos 40 sem a mínima ideia sobre se existe realmente um porque para eu estar nesse planeta, cansada de passar a vida fazendo trabalhos para os outros e sem me sentir desafiada, valorizada, ou satisfeita com o que estou fazendo, eu cheguei a conclusão que ver essa série por completo e ver como profissionais de áreas afins lidam com seus trabalhos, seria interessante pra refocar a atenção, a motivação, ou mesmo a ética de trabalho. No entanto, desde então, a cada episódio uma sessão de soluços vem junto.

Se você já pensou em assistir a série e ainda não deu uma chance, não se assuste: ela não está nem um pouco estruturada para provocar desidratação ocular, como um comercial de final de ano do Itaú, por exemplo -- e mesmo para esses, pensar nos lucros bilionários da família acionista, sem nenhuma dedução de impostos, costuma fazer você segurar as lágrimas rapidinho a cada comercial.

Admito, a reação atual a Abstract é um caso 100% pessoal. Um misto de desilusão com tristeza (mas não precisa ficar apreensivo por mim, só dura durante o episódio). Os criadores do documentário escolheram pessoas "no topo" de suas profissões, pessoas que alcançaram mais do que a maioria dos mortais nos mesmos ramos vai conseguir... E eu acho que isso não está "interagindo" muito bem com a minha crise de meia idade.

Por mais que eu acredite, assim como Gary Vaynerchuk, que quem tem 40 anos hoje ainda tem pelo menos 30 anos pela frente de trabalho -- o que, em tese, daria pra desenvolver toda uma nova carreira do zero -- eu não acredito, no nível individual, que eu tenha tanto tempo. Ou seja, quando você tem 20 anos e assiste uma série como Abstract, você pode olhar e pensar "É assim que eu quero ser". Aos 40, você assiste e pensa "É assim que eu nunca serei" -- e o impacto não é tão "gostosinho".

Além disso, algo que tem acertado o ponto "macio" do meu coração com mais força que deveria nos últimos anos é ver pessoas que estão fazendo aquilo que elas "vieram aqui pra fazer" -- eu sei que há controvérsias morais, sociais, filosóficas para isso -- e que poderia se discutir semanas num bar sobre o tema -- mas existe um "brilho" em ver pessoas realmente conectadas com aquilo que fazem que é difícil ignorar uma vez que você já o viu... Já vi isso algumas vezes ao vivo na vida. Vejo diversas vezes em Abstract. Não vejo nem de longe no espelho. Então acaba "machucando".

Isso significa que vou parar de ver a série?
Claro que não -- estou quase finalizando a primeira temporada, e acho que o masoquismo é um traço marcante da minha personalidade mesmo.

Mas no fundo, é como uma citação de Mae West que um dos meus autores preferidos (Tim Ferris) gosta de citar:

“Those who are easily shocked should be shocked more often.”
("Aqueles que ficam facilmente chocados devem ficar chocados com mais frequência.")

Então enquanto dá, eu vou cutucando os meus locais "doloridos" com Abstract pra ver o que acontece.

Abstract: The Art of Design | Official Trailer [HD] | Netflix
https://youtu.be/DYaq2sWTWAA

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Você é o que você escuta!


Acordei com "Buddy Holly" do Weezer repetindo na cabeça ao infinito. É algo que, admito, faria mais sentido se duas coisas fossem válidas: eu conhecesse bem essa música, e eu gostasse de Weezer. Não é que eu "desgoste" de Weezer, mas é uma daquelas bandas "da sua geração" que não te pegaram na época e você acaba escutando mais tardiamente porque vagamente te lembra de outros tempos...

Tive que ficar um bom tempo ruminando pro Midomi (um site bem legal que deixa você cantar partes ou o tom de uma música pra te ajudar a lembrar a música) pra saber que era essa música que estava na minha cabeça -- e não consigo deixar de ficar surpresa que em algum confim secreto do meu subconsciente, tem uma gavetinha dedicada a Buddy Holly do Weezer.

O que me lembra que a minha relação com a música tem que ser retomada com mais carinho. No ano passado, depois de uma série de dias "perdidos" nas minhas ansiedades, eu acabei percebendo que muito daquilo poderia ser apaziguado escutando minhas músicas favoritas. E aí percebi que -- segundo a própria retrospectiva do Spotify -- eu escuto muito pouca música atualmente. Fui de uma adolescente que escutava de 4 a 6 horas de música por dia, a uma adulta (há controvérsias sobre esse marco) que mal escuta música alguma.

É claro, eu trabalho -- nos freelas, nas coisas pra casa... E reconheço que isso atrapalha. Há um pouco mais de dez anos atrás que eu fazia funções mais "estéticas" nos projetos, era mais fácil trabalhar escutando música. Depois que o trabalho ficou mais voltado pra narrativas, envolvendo ler o texto dos outros, reescrever, produzir conteúdo etc., eu preciso de um espaço mental "limpo" que não permite música de fundo (e que mal consegue lidar com o YouTube Kids e Netflix da minha filha).

E parece que quanto menos música você escuta, menos viço na vida. Admito que quando eu vim morar com meu marido, foi uma benção vir morar com uma pessoa quieta -- eu estava surtando na minha casa e com a TV explodindo em altura sempre, sempre ligada, sempre barulho -- então poder ficar em uma ambiente só com o som natural dele foi uma maravilha. Mas depois de uns anos isso se tornou um pouco usual demais. E hoje em dia eu me sinto constrangida em escutar minhas músicas no volume que eu gostaria -- e atrapalhar os pensamentos do marido (o que nos leva a um segundo tópico a ser explorado no futuro: porque homens e mulheres em casa, 24 x 7, não é vida... Mas fica pra outra hora).

Acho que como o desenho, a leitura, os filmes -- e as outras coisas que me deixam realmente FELIZ, essa é uma das coisas que eu tenho que ser mais cuidadosa em efetivamente inserir na vida, regularmente.

Não recomendo ficar com essa música na cabeça, mas se quiser saber o quanto eu estava perdida, segue (o detalhe é que eu acho essa música profundamente irritante, gostando só de quando fica próxima do refrão):
Buddy Holly - Weezer

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Não escrevo porque triste!

Photo by Kinga Cichewicz on Unsplash
Tenho procurado diversas explicações para os blogs estarem às moscas. E quando a gente procura, a gente acha: falta de pauta, linha editorial mal definida, dificuldade de aplicar "ass to the chair" e escrever, a conjuntura nacional, a falta de "leitores" pra blogs etc., etc. Quando a gente procura justificativas, elas borbulham como oxigênio em água fervendo... Mas a verdade... A verdade costuma ser única. A minha: não escrevo porque triste.

Esse endereço já foi o local de profundos desabafos. Mas eu não faço mais isso -- ou me comprometi a não fazer mais isso. Não que eu tenha amadurecido muito, mas há alguns anos cheguei a conclusão que "xingar muito na internet" é oferecer ouro demais aos bandidos. É dar para qualquer envolvido na história uma visão sobre apenas um aspecto da sua explosão, que normalmente é usado, convenientemente, para extrapolar todo o resto. Quem explode, sempre perde a razão, por mais razão que tenha. E eu fiquei cansada de dar uma "liberada" de responsabilidade para pessoas mutuamente envolvidas nos problemas e suas origens.

Tenho dito para mim mesma que esse é o motivo pelo qual não escrevo mais -- que o meu maquinário é movido a ódio/raiva/urgência, e atualmente eu não deixo mais ele "ligar" com base nisso... Digo que "coloquei um filtro" e para a minha sanidade evito esses rompantes. Mas como eu disse, a verdade é outra: simplesmente não escrevo quando estou triste, e eu tenho estado triste na maior parte do tempo.

Não é que eu esteja clinicamente deprimida -- embora profissionais possam argumentar nesse sentido -- mas é que eu estou "desesperançosa com relação a vida". Cheguei num ponto onde tudo que eu imaginei para a vida não aconteceu. Tudo que no qual eu apostei deu errado. Em outros casos ainda me sinto profundamente "usada", e embora isso talvez não se sustente numa análise mais minuciosa da situação, eu não consigo "desver" esse abuso e superar; então eu simplesmente não acredito em nada em relação ao futuro. Nem nas pequenas coisas, nem nas coisas médias e definitivamente não nas grandes.

E eu gosto de escrever coisas minimamente irônicas.
Gosto de escrever coisas bem humoradas mesmo quando vindas de um lugar "trabalhado na raiva" -- como quando escrevi isso [aqui], por exemplo.
Mas eu não ando conseguindo ver o lado "irônico" ou "positivo" de nada.
Eu ando apenas existindo, um dia após o outro, procurando conseguir pagar as contas, fazer o mínimo para que a vida... siga.

Não há necessidade de colocar ninguém além de mim nesse modo "oh dia, oh vida, oh azar".
Então eu não digo nada.

Quando eu pensava em escrever, antigamente, lembrava muito do texto a seguir do "Rubem Braga", um dos meus textos preferidos...
Eu queria ser o escritor -- hoje em dia acho que estou mais para a menina.

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MEU IDEAL SERIA ESCREVER...
Rubem Braga.

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está naquele casa cinzenta quando lesse minhas história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!" E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria  perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria, que o comissário do distrito, depois de ler minha história mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina."

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim "Ontem ouvi um sujeito contar uma história..."

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.