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Não escrevo porque triste!

Photo by Kinga Cichewicz on Unsplash
Tenho procurado diversas explicações para os blogs estarem às moscas. E quando a gente procura, a gente acha: falta de pauta, linha editorial mal definida, dificuldade de aplicar "ass to the chair" e escrever, a conjuntura nacional, a falta de "leitores" pra blogs etc., etc. Quando a gente procura justificativas, elas borbulham como oxigênio em água fervendo... Mas a verdade... A verdade costuma ser única. A minha: não escrevo porque triste.

Esse endereço já foi o local de profundos desabafos. Mas eu não faço mais isso -- ou me comprometi a não fazer mais isso. Não que eu tenha amadurecido muito, mas há alguns anos cheguei a conclusão que "xingar muito na internet" é oferecer ouro demais aos bandidos. É dar para qualquer envolvido na história uma visão sobre apenas um aspecto da sua explosão, que normalmente é usado, convenientemente, para extrapolar todo o resto. Quem explode, sempre perde a razão, por mais razão que tenha. E eu fiquei cansada de dar uma "liberada" de responsabilidade para pessoas mutuamente envolvidas nos problemas e suas origens.

Tenho dito para mim mesma que esse é o motivo pelo qual não escrevo mais -- que o meu maquinário é movido a ódio/raiva/urgência, e atualmente eu não deixo mais ele "ligar" com base nisso... Digo que "coloquei um filtro" e para a minha sanidade evito esses rompantes. Mas como eu disse, a verdade é outra: simplesmente não escrevo quando estou triste, e eu tenho estado triste na maior parte do tempo.

Não é que eu esteja clinicamente deprimida -- embora profissionais possam argumentar nesse sentido -- mas é que eu estou "desesperançosa com relação a vida". Cheguei num ponto onde tudo que eu imaginei para a vida não aconteceu. Tudo que no qual eu apostei deu errado. Em outros casos ainda me sinto profundamente "usada", e embora isso talvez não se sustente numa análise mais minuciosa da situação, eu não consigo "desver" esse abuso e superar; então eu simplesmente não acredito em nada em relação ao futuro. Nem nas pequenas coisas, nem nas coisas médias e definitivamente não nas grandes.

E eu gosto de escrever coisas minimamente irônicas.
Gosto de escrever coisas bem humoradas mesmo quando vindas de um lugar "trabalhado na raiva" -- como quando escrevi isso [aqui], por exemplo.
Mas eu não ando conseguindo ver o lado "irônico" ou "positivo" de nada.
Eu ando apenas existindo, um dia após o outro, procurando conseguir pagar as contas, fazer o mínimo para que a vida... siga.

Não há necessidade de colocar ninguém além de mim nesse modo "oh dia, oh vida, oh azar".
Então eu não digo nada.

Quando eu pensava em escrever, antigamente, lembrava muito do texto a seguir do "Rubem Braga", um dos meus textos preferidos...
Eu queria ser o escritor -- hoje em dia acho que estou mais para a menina.

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MEU IDEAL SERIA ESCREVER...
Rubem Braga.

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está naquele casa cinzenta quando lesse minhas história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!" E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria  perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria, que o comissário do distrito, depois de ler minha história mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina."

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim "Ontem ouvi um sujeito contar uma história..."

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

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