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A mulher que chora assistindo "Abstract"

Photo by Rodion Kutsaev on Unsplash

Disclaimer: desde 2014 -- ano em que minha filha nasceu -- "lágrimas" não são um termo alheio à minha pessoa. A filha veio "liberando a torneirinha interior" e possibilitando que eu chore até de um origami bem feito... Estabelecido esse fato, acho que o caso com "Abstract" da Netflix é um pouco diferente.

A série, lançada em 2017 pela Netflix, e com duas temporadas, fala sobre Design em geral, por meio da apresentação do trabalho de diversos profissionais em diversos campos: ilustração, cenografia, design gráfico, arquitetura etc. Logo que a série saiu, eu assisti o primeiro episódio sobre "ilustração" e parei -- acabou mais me dando uma pontadinha no coração daquelas "bem, esse cara é ilustrador pra New Yorker, está um pouco [MUITO] fora da minha liga. Qualquer coisa que ele possa dar de dica não se aplica muito a mim".

E ali havia parado minha experiência com a série. No entanto, recentemente, depois de me ver chegando aos 40 sem a mínima ideia sobre se existe realmente um porque para eu estar nesse planeta, cansada de passar a vida fazendo trabalhos para os outros e sem me sentir desafiada, valorizada, ou satisfeita com o que estou fazendo, eu cheguei a conclusão que ver essa série por completo e ver como profissionais de áreas afins lidam com seus trabalhos, seria interessante pra refocar a atenção, a motivação, ou mesmo a ética de trabalho. No entanto, desde então, a cada episódio uma sessão de soluços vem junto.

Se você já pensou em assistir a série e ainda não deu uma chance, não se assuste: ela não está nem um pouco estruturada para provocar desidratação ocular, como um comercial de final de ano do Itaú, por exemplo -- e mesmo para esses, pensar nos lucros bilionários da família acionista, sem nenhuma dedução de impostos, costuma fazer você segurar as lágrimas rapidinho a cada comercial.

Admito, a reação atual a Abstract é um caso 100% pessoal. Um misto de desilusão com tristeza (mas não precisa ficar apreensivo por mim, só dura durante o episódio). Os criadores do documentário escolheram pessoas "no topo" de suas profissões, pessoas que alcançaram mais do que a maioria dos mortais nos mesmos ramos vai conseguir... E eu acho que isso não está "interagindo" muito bem com a minha crise de meia idade.

Por mais que eu acredite, assim como Gary Vaynerchuk, que quem tem 40 anos hoje ainda tem pelo menos 30 anos pela frente de trabalho -- o que, em tese, daria pra desenvolver toda uma nova carreira do zero -- eu não acredito, no nível individual, que eu tenha tanto tempo. Ou seja, quando você tem 20 anos e assiste uma série como Abstract, você pode olhar e pensar "É assim que eu quero ser". Aos 40, você assiste e pensa "É assim que eu nunca serei" -- e o impacto não é tão "gostosinho".

Além disso, algo que tem acertado o ponto "macio" do meu coração com mais força que deveria nos últimos anos é ver pessoas que estão fazendo aquilo que elas "vieram aqui pra fazer" -- eu sei que há controvérsias morais, sociais, filosóficas para isso -- e que poderia se discutir semanas num bar sobre o tema -- mas existe um "brilho" em ver pessoas realmente conectadas com aquilo que fazem que é difícil ignorar uma vez que você já o viu... Já vi isso algumas vezes ao vivo na vida. Vejo diversas vezes em Abstract. Não vejo nem de longe no espelho. Então acaba "machucando".

Isso significa que vou parar de ver a série?
Claro que não -- estou quase finalizando a primeira temporada, e acho que o masoquismo é um traço marcante da minha personalidade mesmo.

Mas no fundo, é como uma citação de Mae West que um dos meus autores preferidos (Tim Ferris) gosta de citar:

“Those who are easily shocked should be shocked more often.”
("Aqueles que ficam facilmente chocados devem ficar chocados com mais frequência.")

Então enquanto dá, eu vou cutucando os meus locais "doloridos" com Abstract pra ver o que acontece.

Abstract: The Art of Design | Official Trailer [HD] | Netflix
https://youtu.be/DYaq2sWTWAA

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